17 de junho de 2014

Resistencia - Esta Cidade



Quer eu queira quer não queira
Esta cidade
Há-de ser uma fronteira
E a verdade
Cada vez menos
Cada vez menos
Verdadeira
Quer eu queira
Quer não queira
No meio desta liberdade
Filhos da puta
Sem razão
E sem sentido
No meio da rua
Nua crua e bruta
Eu luto sempre do outro lado da luta.....

14 de junho de 2014

Eu tenho um búzio que me diz coisas estranhas ao ouvido

Capicua -  Sereia Louca






Ela queria usar sapatos, dançar de salto alto
Beijar a boca de um homem, embranhar-se no mastro
Queria perder as escamas e rasgar as barbatanas

até que pernas humanas lhe saissem da carne

Poder conhecer o doce o amargo e o ácido

Ali tudo era salgado azulado e aquático

Partir o aquário deixar de vez o Atlântico

E rogava por ajuda dos marinheiros com o seu cântico

Mas seu cântico era grito que não suportavam

E só Ulisses vivera depois de a ter escutado

O seu canto era um feitiço carpido como o fado

que levava navios perdidos para outro lado


Eu tenho um búzio que me diz coisas estranhas ao ouvido

Eu tenho um búzio que me diz coisas estranhas ao ouvido

Eu tenho um búzio que me diz coisas estranhas ao ouvido

Eu tenho um búzio que me diz coisas estranhas ao ouvido


Sua voz era livre como ela não era

Como sempre quisera que o seu corpo fosse

E por cantar o sonho e a sua quimera

Era para as almas como um cumplice

Forte como um coice, como uma foice

trespassava gelada o silêncio fundo da noite

Enquanto a sua melodia como a maresia

Envolvia em maravilha a lonjura da sua corte

Chega a maré vazia para lavar em água fria

a sua melancolia e o medo da morte

Não é que a lágrima é da mesma água salgada

Gritava entre o mar e a estrela da madrugada


Eu tenho um coração de esponja que cresce com a tristeza

Eu tenho um coração de esponja que cresce com a tristeza

Eu tenho um coração de esponja que cresce com a tristeza

Eu tenho um coração de esponja que cresce com a tristeza


Sereia louca que vai deixar tentar deixar o mar

com a coragem de quem sai do seu habitat

Sereia louca que vai gritar, chorar,

bramir, esbracejar tentar até conseguir

Sereia louca que vai sentir a falta do mar

sentir a falta do ar que há neste lugar

Sempre que digam que é louca,

é melhor muda que rouca,

eu fico nua que é roupa que aperta o respirar

E grito ainda mais alto neste barco suspenso

que pior que o meu canto há-de ser o meu silêncio

pior que o meu canto há-de ser o meu silêncio


Eu tenho um búzio que me diz coisas estranhas ao ouvido

Eu tenho um búzio que me diz coisas estranhas ao ouvido

Eu tenho um búzio que me diz coisas estranhas ao ouvido

Eu tenho um búzio que me diz coisas estranhas ao ouvido


Eu tenho um coração de esponja que cresce com a tristeza

Eu tenho um coração de esponja que cresce com a tristeza

Eu tenho um coração de esponja que cresce com a tristeza

Eu tenho um coração de esponja que cresce com a tristeza


Não é que a lágrima é da mesma água salgada

Gritava entre o mar e a estrela da madrugada

E grito ainda mais alto neste barco suspenso

que pior que o meu canto há-de ser o meu silêncio

13 de junho de 2014

Feliz Sexta-Feira 13......


                                      UHF - Vernáculo



"Estou cansado, pá
Cansado e parado por dentro
Sem vontade de escolher um rumo
Sem vontade de fugir
Sem vontade de ficar
Parei por dentro de mim
Olho à volta e desconheço o sítio
As pessoas, a fala, os movimentos
A tristeza perfilada por horários
Este odor miserável que nos envolve
Como se nada acontecesse
E tudo corresse nos eixos.
Estou cansado destes filhos da puta que vejo passar
Idiotas convencidos
Que um dia um voto lançou pela TV
E se acham a desempenhar uma tarefa magnífica.
Com requinte de filhos da puta
Sabem justificar a corrupção
O deserto das ideias
Os projectos avulso para coisa nenhuma
A sua gentil reforma e as regalias
Esses idiotas que se sentam frente-a-frente no ecrã
À hora do jantar para vomitar
O escabeche de um bolo de palavras sem sentido
Filhos da puta porque se eternizam
Se levam a sério
E nos esmigalham o crânio com as suas banalidades:
O sôtor, vai-me desculpar
O que eu quero é mandá-los cagar
Para um campo de refugiados qualquer
Vê-los de Marlboro entre os dedos a passear o esqueleto
Entre os esqueletos
Naquela mistura de cheiros e cólicas que sufoca
Apenas e só -- sufoca.

Estou cansado
Cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente
Com ferrete
Obediente
Obediente.

Estou cansado de viver neste mesmo pequeno país que devoram
Escudados pelas desculpas mais miseráveis
Este charco bafiento onde eles pastam
Gordos que engordam
Ricos que amealham sem parar
Idiotas que gritam
Paneleiros que se agitam de dedo no ar
Filhos da puta a dar a dar
Enquanto dá a teta da vaca do Estado
Nada sabem de história
Nada sabem porque nada lêem além
Da primeira página da Bola
O Notícias a correr
E o Expresso, porque sim!
Nada sabem das ideias do homem
Da democracia
Atenas e Roma
Os Tribunos e as portas abertas
E a ética e o diálogo que inventaram o governo do povo pelo povo
Apenas guardam o circo e amansam as feras
Dão de comer à família até à diarreia
Aceitam a absolvição
E lavam as manápulas na água benta da convivência sã
Desde que todos se sustentem na sustentação do sistema
Contratualizem (oh neologismo) o gado miúdo
Enfatizem o discurso da culpa alheia
Pela esquizofrenia politicamente correcta:
Quando gritam, até parece que se levam a sério
Mas ao fundo, na sacristia de São Bento
O guião escrito é seguido pelas sombras vigentes. 

Estou cansado
Cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente
Com ferrete
Obediente
Obediente.

Estou farto de abrir a porta de casa e nada estoirar como na televisão
Não era lá longe, era aqui mesmo
Barricadas, armas, pedradas, convulsão
Nada, não há nada
Os borregos, as ovelhas e os cabrões seguem no carreiro
Como se nada lhes tocasse -- e não toca
A não ser quando o cinto aperta
Mas em vez da guerra
Fazem contas para manter a fachada:
Ah carneirada, vossos mandantes conhecem-vos pela coragem e pela devoção na gritaria do futebol a três cores
Pelas vitórias morais de quem voa baixinho
E assume discursos inflamados sem tutano.

Estou cansado
Cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente
Com ferrete
Obediente
Obediente.

Estou cansado, pá
Sem arte, sem génio, cansado:
Aqui presente está a ementa e o somatório erróneo do desempenho de uma nação
Um abismo prometido
Camuflado por discursos panfletários:
Morte aos velhos!
Morte aos fracos!
Morte a quem exija decência na causa pública!
Morte a quem lhes chama filhos da puta!
- E essa mãe já morreu de sífilis à porta de um hospital.
Mataram os sonhos
Prenderam o luxo das ideias livres
Empanturraram a juventude de teclados para a felicidade
E as famílias de consumo & consumo
Até ao prometido AVC
Que resolve todas as prestações:
Quem casa com um banco vive divinamente feliz
E tem assistência no divórcio a uma taxa moderada pela putibor.
Estou cansado, pá
Da surdez e da surdina
Desta alegria por porra nenhuma
Medida pelo sorriso de vitória do idiota do lado
Quando te entala na fila e passa à frente
É a glória única de muita gente
Uma vida inteira...

Eleitos, cuidem da oratória..."


12 de junho de 2014